Em uma entrevista rara, Drake revela os elementos que o fizeram tornar-se um gigante cultural e um alvo



O verão de 2015 terminou com a derrota de Serena Williams nas semifinais do US Open, e na arquibancada, observando isso acontecer, estava Drake. Ele tinha vindo para torcer por Serena em meio a rumores de que os dois estavam namorando e passou a maior parte do jogo de pé, batendo palmas com vigor e fazendo caras intensas que foram projetadas em telas de TV em todo o mundo. Quando o jogo terminou, Drake tornou-se o alvo da descrença e decepção provocada pela derrota impressionante de Serena. Em poucos minutos, usuários do Twitter culparam o “pé frio de Drake," e logo a hashtag #BlameDrake (CulpeDrake) entrou nos trends dos Estados Unidos. 

Talvez isso teria acontecido, com qualquer outra pessoa que Serena Williams estivesse supostamente namorando na época, com um histórico de Grand Slams no currículo, as apostas eram altas, e a necessidade de alguém há quem culpar era grande. Mas algo nessa hostilidade que Drake enfrentou após o jogo pareceu manjado por conta da série de vitórias no verão que ele vinha desfrutando da tenista. 

A reação confirmou o que já tinha começado a se tornar óbvio: que Drake – um rapper que já foi chamado de “criança-estrela Canadense” que estava em um gênero que não se encaixava – já não era um "qualquer um" no jogo. Com isso, ele se tornou um alvo, do tipo gigante cultural que inspira amor e escárnio ao mesmo tempo. 


Em uma agradável noite de terça-feira em agosto, cerca de um mês antes dessa partida, Drake se encontra em uma suíte de hotel em Toronto, com as pernas esticadas à sua frente em cima de uma mesa de café exibindo seus Timberlands preto. Segurando o que parece ser um copo de Hennessy com grandes cubos de gelo, ele fala sobre recentemente voltar a dirigir: “Eu tenho sido privado de dirigir por um longo tempo”, diz ele. “Sempre indo ao estúdio com um motorista e segurança, você perde muita coisa. ” “Essa viagem é a minha coisa favorita no mundo, sabe? ”, diz ele. “Dirigir era uma das coisas mais importantes na minha vida. “ Era durante a viagem ao estúdio de gravação que surgiam as ideias, Drake explica. Cortar isso de sua vida foi como deixar a inspiração sobre a mesa. Dirigindo era como Drake colocava-se na mente das pessoas que ele imaginava ouvirem ele. Quando ele estava tentando descobrir se uma música estava boa, ele imaginava alguém a tocando em seu carro. "Especialmente neste novo álbum, eu só quero que você seja capaz de ...", ele pensa. "Às vezes, essas viagens são pesadas cara, dependendo do que aconteceu, onde você veio e o que está prestes a acontecer, onde você está indo." 


O novo álbum de que Drake está falando é "Views From The 6", assim chamado em homenagem à Toronto, a cidade que é sua terra natal, sua musa e sua causa. Enquanto toma um gole de sua bebida, pergunto a ele se devido aos seus recentes triunfos, ele se pergunta se conseguiu tudo muito fácil e se há a chance de que ele irá dar como certo a sua capacidade de agradar os ouvintes. Ele parece genuinamente enojado com a ideia. 

"Eu nunca me senti tipo, 'Oh, as pessoas vão ouvir qualquer coisa que seja Drake", diz ele. "Eu não sou esse cara. 

Eu não me sinto assim em relação a qualquer uma das minhas músicas ... se eu não gostasse do resultado (da música), eu teria um grande problema. " Ele faz uma pausa por um segundo, em seguida, continua pensando em cada palavra: "Quer dizer, eu estou realmente tentando. Não é como se eu estivesse simplesmente atirando de olhos fechados. Tipo, eu estou tentando. Eu estou realmente tentando fazer música para a vida ". Dizendo isso, Drake passa uma simpatia treinada, mas convincente, e o esforço que ele está fazendo para ter certeza que eu saiba que ele está sendo sincero é perceptível e charmoso. 

Porém, olhando para o seu cabelo recém-raspado e barba que agora cobre a metade de seu rosto, lembro-me dos conselhos que ele deu recentemente em uma de suas canções – Por favor, não fale comigo como se eu fosse o Drake de quatro anos atrás / estou em outro nível – e pretendo segui-los. 

Esta será a primeira entrevista estendida que Drake dá desde que a Rolling Stones publicou uma história em fevereiro de 2014, a qual o levou a declarar no Twitter que não falaria mais com revistas. É também a primeira vez que ele fala sobre as músicas que vazaram: as chamadas faixas de referência do álbum “If You Are Reading This” que sugeriu que Drake tinha usado alguns versos compostos por outras pessoas para ele, nas demos.

Logo, em pouco tempo, Drake lançaria essas faixas e provaria os seus poderes que o permitem, mais do que quase qualquer outra pessoa no pop, fazer música que é nova e ousada, porém profunda, ampla e sonoramente agradável. No processo, ele vai mostrar seu espírito de colaboração no hip-hop, e expandir a visão do que é preciso para fazer arte verdadeiramente original. 


Praticamente durante todo esse ano, o foco de Drake tem sido o "Views From The 6". Ele me conta que ao assumir esse projeto de alto risco, se viu obrigado a se manter em Toronto, algo que ele não tinha feito há algum tempo. 

Após anos de turnês constantes, arranjando tempo para entrar nos estúdios e gravar sempre que podia, e ter Los Angeles como seu quartel-general, Drake finalmente voltou para casa e trancou-se com seu engenheiro, produtor e amigo de longa data, Noah "40" Shebib, o cara que o tem acompanhado na criação de sua música desde o começo de sua carreira. 

A decisão de ficar em casa (Toronto), enquanto trabalhava em "Views" foi uma demonstração de amadurecimento: aos 28 anos, Drake explica que se deu conta que alguns de seus melhores amigos chegaram em um ponto de suas vidas que já não podem mais "me acompanhar ao redor do mundo." Drake e Noah, especialmente, tiveram de renegociar os termos de sua parceria. "Nós temos crescido muito ao longo dos anos", diz Drake. "Ele costumava ser o cara que me acompanhava aos quartos de hotel às 04:00 da manhã. Agora ele não faz mais isso. Eu tenho outro cara para isso." No entanto ele precisava de Noah para Views, explica. "Se eu quisesse fazer o álbum do jeito que pretendia fazer, eu tinha que ir encontrá-lo. Eu tinha que sentar com ele, e nós tínhamos que realmente nos esforçar. " É um contraste marcante em comparação à forma como Drake fez "What a Time to Be Alive"— ele e Future gravaram o álbum em apenas seis dias em Atlanta, trabalhando à noite, dormindo no estúdio, acordando e trabalhando um pouco mais, conta Metro Boomin, produtor executivo da obra "If You Reading This", que também foi concluída de forma relativamente rápida: em três meses, e foi dominada por batidas de Boi-1da e Vinylz. "Isso foi simplesmente eu fazendo uma música de cada vez e organizando-as na ordem que achei que soou melhor", diz ele sobre 'If You Reading This'. "Foi como uma oferta. É isso que era. Apenas uma oferta. Eu só queria que você tivesse algo para começar o ano. Eu queria ser o primeiro e eu queria fazer da forma apropriada."


Um dia antes de nossa entrevista, chegou a notícia que, "If You Reading This" tinha conseguido uma platina. Foi uma conquista incrível, uma vez que o projeto saiu sem nenhum aviso e nenhum single oficial, e que Drake fez questão de descrevê-lo como uma mixtape em vez de um álbum. 

O projeto parece que se contrastou do resto do inventário de Drake — de alguma forma era uma obra menor do que seus LPs. Quando eu digo a Drake que a mixtape soou para mim como qualquer álbum "real" que ouvi este ano, ele diz "Eu agradeço o elogio", mas discorda. "No padrão de álbum que eu e Noah seguimos, esse é um pouco quebrado para ser um (álbum)", diz ele. "Há cortes nos cantos e no sentido de fluidez e de transição também. Apenas coisas que passamos semanas e meses trabalhando que fazem nossos álbuns ser o que são." Talvez não muito diferente do projeto de Future, a mixtape foi feita como um apurador de paladar, Drake diz — uma arrancada ousada que ele queria tentar antes de começar a maratona que seria 'Views'. "Foi o teste para ser capaz de voltar a trabalhar com Noah, que é onde estou agora", ele conta que o novo álbum envolveu colaborar mais intimamente com Noah desde 'Take Care'. "Eu só queria ser capaz de voltar a isso e fazer com que fosse importante." 

A gravação de "Views From the 6" em Toronto alinhou-se perfeitamente com a chegada de uma nova fase intensa na campanha de Drake por sua amada cidade. Essa campanha já se arrasta há anos, mas o retrato que Drake pintou recentemente com "Views" foi o mais enfático e texturizado até agora. 

Não é mais possível, como era antes, confundir o seu ufanismo local com apenas o desejo de ser de algum lugar, nem confundi-lo com uma aspiração fútil de trazer glória à uma cidade com pouco entusiasmo midiático. Foi muito esclarecedor o fato de que Drake finalmente deu à Toronto um hino esse ano com "Know Yourself", a faixa destaque em "If You Reading This" que fez adolescentes e adultos de toda a América cantar sobre "passar pelo o 6 com meus problemas" (referência a um local na cidade de Toronto). "Eu tinha tanta inveja cara, que Wiz Khalifa tinha aquela música 'Black and Yellow", e era uma canção sobre Pittsburgh", diz Drake. "O mundo estava cantando uma música sobre Pittsburgh! E eu estava tão perplexo, como compositor estava encabulado como ele conseguiu tanto sucesso com uma música sobre Pittsburgh. Tipo, sua cidade deve mesmo ser exaltada! Eles devem estar tão orgulhosos. E eu disse a mim mesmo que ao longo da minha carreira, eu definitivamente teria uma música totalmente dedicada à Toronto, que o mundo abraçaria. 

Então, "Know Yourself" foi algo feito na minha lista de "coisas a fazer". O que distingue a devoção de Drake à Toronto é que ele aparece como o oposto do utópico. Este é um testemunho da diversidade cultural única de Toronto: a população da cidade é de cerca de 50% de origem estrangeira, com as comunidades de imigrantes de países como a Jamaica, Filipinas, Índia, e muitos outros. Ser influenciado por Toronto significa ser influenciado por culturas de todo o mundo. Drake tem canalizado essas diversas vertentes com grande entusiasmo ultimamente, mais obviamente em seu uso de gírias Caribenhas e até mesmo palavras árabes religiosas como Mashallah e Wallahi, uma referência à população Somali de Toronto. "Nós usamos [aquela linguagem] todos os dias", diz ele, "Mas eu levei algum tempo para construir uma confiança e descobrir como incorporá-la em canções. E eu estou realmente feliz que eu o fiz. Eu acho que é importante para a cidade sentir que marca presença lá fora." 

O fato de que Drake não se preocupa se vai confundir fãs que não são de Toronto e não sabem o que certas palavras significam, é com certeza o seu "divisor de águas" no momento. E agora, mais do que nunca, ele está fazendo de Toronto um personagem presente em sua música porque sabe que pode fazê-lo. "Acabei me tornando realmente exigente em deixar fragmentos e referências da minha cidade em tudo que faço.", diz ele. "O mundo vai notar isso." Embora alguns possam ver seu uso de gírias como um mero turismo ou mesmo uma apropriação, Drake construiu relacionamentos pessoais com artistas do cenário estrangeiro, cuja influências são sentidas em Toronto. 

Sua admiração por Popcaan, a estrela do dancehall jamaicano, deu origem a uma aliança entre OVO e a Gang Rebelde de Popcaan. Dessa aliança surgiu um documentário de 22 minutos sobre a equipe OVO visitar os Rebeldes na Jamaica; resultando num diálogo que é possível ouvir em "If You Reading This". O interesse de Drake na música Grime (estilo urbano) de Londres e em MC Skepta, lhe rendeu um verdadeiro companheiro e amigo, o que não é qualquer coisa, visto que Drake era o rapper que tinha uma política de "sem novos amigos" como uma maneira de lidar com a fama repentina. "Eu era fã de Skepta, mas depois de conhecê-lo... viramos irmãos imediatamente", diz Drake. "Honestamente não se consegue algo assim com frequência no ramo em que estamos. Não é sempre que você conhece alguém que sente tipo 'OK, nós podemos com certeza continuarmos amigos quando estivermos nos 35, 40 anos de idade'." 


Em meio à essas filiações e colaborações houve também uma música com o dançarino de Bachata, Romeo Santos, em que Drake cantou em espanhol — Drake tornou-se uma espécie de importador e exportador cultural, ou talvez mais precisamente, um tradutor. Pergunto-lhe se parte de sua motivação em filiar-se à artistas internacionais é o desejo de conquistar o público em mercados estrangeiros e de se tornar uma estrela verdadeiramente global, já que conquistou a América do Norte, tanto quanto qualquer outro rapper. Eu o pergunto se de alguma forma, fazer uma canção como a deste verão "Ojuelegba (Remix)" — um hit single que ele gravou com Skepta e o popular rapper nigeriano Wizkid — uma jogada inteligente para o público estrangeiro. 

Drake não concorda com essa teoria. "Eu só fiz isso porque eu estava no momento", diz ele. "Eu não estava pensando, 'Ah cara, eu preciso colocar minha marca na Nigéria'." (Ele se apressa a acrescentar, com a clássica polidez de Drake, "O que não quer dizer que não é importante. Eu estou honrado de estar nessa música.") Mais do que criar sua marca global, parece que Drake está conseguindo inspiração e novas ideias de como uma música e obra de Drake podem soar. Em "What a Time to Be Alive", você pode ouvi-lo nivelando-se com Future enquanto os dois lutam contra suas mágoas com pílulas e lástimas. 

Entretanto, em muitas de suas produções recentes, Drake demonstra trabalhar com influências que parecem tê-lo iluminado musicalmente. Algo quase impensável para um artista cuja estética tem sido descrita como fria e rígida. Novas músicas de vibe mais leve como "Hotline Bling", têm uma qualidade tropical muito interessante que Drake não tinha evocado antes; citando um comentário de Lorde, que elogiou "Hotline Bling" no Twitter recentemente pela sua intocada e chamativa simplicidade: "Drake está pintando a música com cores vermelho, laranja e rosa, que ele realmente não costumava usar." Drake diz que esta nova vibe não é um acaso — que ele está tentando fazer um rap com batidas mais leves do que ele está acostumado a fazer, afim de ver se ele pode manter o nível de potência que ele sabe que consegue quando trabalha dentro de sua zona de conforto. "Eu amo os flows de dança, ainda mais ultimamente", diz ele. "Eu provavelmente não vou sequer cantar em cima de uma batida se ela não tiver algum elemento mágico de novo tempo, onde eu possa me ouvir e sentir que fiz algo novo." 


Este é o objetivo principal e um tanto paradoxal de Drake atualmente: surgir com algo novo, seja com uma nova maneira de misturar a linha entre canto e rap ou apenas um jeito novo de proferir uma frase. "Há momentos em que eu estou sentado procurando por três ou quatro palavras", diz ele. "Eu não procuro por 80 bares às 5 da manhã, entende? Há momentos como esse, também, mas os momentos mais difíceis, os mais difíceis na composição, são quando você está procurando tipo quatro palavras para a melodia e cadência certa. Eu rezo por isso. Eu prefiro isso a qualquer outra coisa, prefiro isso que sexo e festejar. Me dá aquele sentimento." A melhor sensação, diz ele, é quando encontra um novo flow, uma nova maneira de envolver seus vocais em um ritmo e uma batida diferente. "Um novo flow é absolutamente a descoberta mais importante no rap, para mim", diz Drake. "Sinceramente, tipo, eu estou sentado aqui falando com você, mas ao mesmo tempo eu não estou, porque eu quero ir para o estúdio, e estou rezando para que Noah tenha uma batida lá, para que eu possa fazer algo novo que eu nunca tinha feito antes. 

Essa é a minha maior alegria na vida". Há um momento em "Ojuelegba (Remix)", em que essa alegria é aparente. A música barulhenta e fresca ao mesmo tempo, que Drake ouviu pela primeira vez através de Skepta, faz Drake cantar de uma maneira que ele nunca fez antes, ao ponto que ele leva alguns estantes para encontrar o balanço da batida. Assim que ele o encontra (isso acontece exatamente quando ele está cantando 'Pree me, dem a pree me', dizeres jamaicanos em "they’re watching me") a sua voz e a música se encontram, e de repente a música soa como um sucesso americano. 

Nesse momento Drake revela um de seus talentos mais aparentes: a sua capacidade intuitiva de se virar com o novo criando formas que agradam milhões de pessoas. Essa primeira superpotência de Drake é o que o permite pegar músicas que são rígidas e cruas ainda e não tenham capturado a essência dele e ajustá-las para uma frequência que todos possam ouvir. Mais recentemente, ele fez isso em "Sweeterman (Remix)", que foi originalmente gravado e lançado pelo garoto de 21 anos de Toronto e ascendência egípcia, o Ramriddlz. Mais um cover do que um remix, a versão de Drake de "Sweeterman" combina todas as características originais e mantém a pequena melodia por trás, removendo a voz de Ramriddlz inteiramente. Quando eu o pergunto o que o fez trabalhar em uma música como "Sweeterman", Drake responde algo surpreendente: "É sobre eu me conectar com a minha mãe" diz ele "Tipo quando eu trazia um teste em que me saí muito bem para casa, e minha mãe lia e anotava o que poderia ser melhor ou como poderia ter sido feito. Num teste em que tirei 94 cara! Então as vezes eu faço isso, escuto algo de alguém e vou lá e dou minha interpretação de como eu faria." Isso não é uma ofensa ou algo do tipo, ele acrescenta: "É só que eu reconheço o potencial e a grandeza desse trabalho e eu quero dar a minha versão nele também, o que é tipo o que minha mãe costumava fazer, entende? Ela estava apenas revivendo sua época de escola, tipo ela queria fazer a prova ela mesma, mas eu já havia feito então ela dava suas anotações para ser melhor." 

O que Drake demonstra aqui é a habilidade do perfeccionismo, sendo esse um dos segredos do seu sucesso, porém não o único, o próximo entra agora. Podemos chama-lo de "imaginação emocional". Mas na verdade, é algo mais específico: um dom para a compreensão de seus fãs e intuitivamente saber como ativar e reivindicar seus sentimentos. Em outras palavras, Drake é um intérprete, das pessoas que ele está tentando alcançar — um artista que pode escrever letras que os ouvintes vão se identificar e melodias que todos nós vamos querer cantar enquanto andamos na rua. 

Quando pergunto a Drake como ele faz o público se identificar com ele desta forma — especialmente agora que a sua vida é tão extraordinária e estranha — ele se senta e explica a química elementar de sua música. "Nós podemos ser diferentes, no sentido de você sabe, de onde você é, de onde eu sou, o que eu estou fazendo, o que você está fazendo, mas o que estamos falando?", diz ele. "Estamos falando simplesmente de emoções humanas. Estamos falando de amor, às vezes. Estamos falando de triunfo, de fracasso, estamos falando de nervos. Estamos falando de medo. Estamos falando de dúvida. Não importa o que você está fazendo, você tem que, pelo menos, ouvir o que estou dizendo a você. E eu rezo para que isso te ajude." Ele corrige a si mesmo. "Nem é bem 'ajudar", diz ele. "Ajuda" é uma palavra estranha. 

Eu não quero pensar que estou 'ajudando'. Não se trata de ajudar. É mais tipo, mesmo que nós não estejamos em um diálogo, eu te escuto, sabe? E quando eu faço um álbum, tudo que eu quero é que você saiba que eu te escuto." Percebe-se que ele pensa em cada palavra e quando ele fala, parece que estou assistindo alguém numa missão tentando passar uma mensagem: "Tipo, eu saco tudo", diz ele. "Eu sei de tudo. Eu sei tudo o que está sendo dito sobre você. Eu sei tudo o que está sendo dito sobre mim. Estou muito em sintonia com esta vida, assim como eu acho que a maioria dos meus ouvintes estão."

Nesse pensamento, ouvir Drake — amando, internalizando e sentindo o #ChargedUp quando você tem vontade de dançar e #WorstBehaviour quando você está empolgado em uma festa é claramente uma parceria entre artista e fã. Drake escreve canções que incentivam a intimidade, e ao fazê-lo de forma consistente encontra palavras para anseios e aspirações compartilhadas por sua base de fãs muito diversificada. Ao fazer hits, ele presenteia aos seus ouvintes as palavras para que eles possam expressar-se online, na escola, no trabalho, nas suas próprias cabeças, sem timidez. 

De alguma forma, a habilidade de Drake para fazer isso se resume a sua audição apurada para frases de efeito, evocativas que são amplas o suficiente para serem usadas em vários contextos e suficientes para se sentir vivo e pessoal. Mas ele também é muito bom em saber o seu momento e descobrir o que seus fãs querem a qualquer momento e entregá-lo na hora certa. 

Este senso de timing acabou sendo uma arma crucial para Drake neste verão, quando ele foi arrastado para uma batalha com Meek Mill. Embora Drake inicialmente parecia ignorar o ataque de surpresa, rapidamente se transformou em semanas longas de demonstração de suas habilidades como artista e de sua capacidade. De forma bastante dramática, Drake demonstrou seu carisma, e fez uso fluente de todos os canais de comunicação possíveis entre ele e seus fãs. O conflito começou quando Meek Mill afirmou no Twitter que Drake possuía “Ghost-Writers” (compositores contratados) que escreveram para ele em um verso que ele gravou para o álbum de Meek. A coisa se agravou quando o DJ Funkmaster Flex declarou que alguém no “acampamento” de Drake lhe tinha fornecido várias "faixas de referência" — demos, basicamente, escritas e gravadas por outros rappers — que provariam que Drake tem o hábito de usar escritores por fora. 

Drake nunca falou sobre as gravações diretamente, nem mesmo depois que algumas delas foram tornadas públicas. Entretanto, enquanto me preparo para levantar a questão durante a nossa entrevista, ele me pega de surpresa por levantá-la por conta própria. "Eu só vou falar sobre porque é importante para mim", diz ele. "Eu estava em um jogo “kickball” de caridade que inclusive vencemos, e meu irmão me ligou. Ele estava tipo, "Eu não sei se você está ciente, mas cara, eles estão tentando acabar conosco aqui. Eles estão espalhando, como, propaganda. Onde está você? Você precisa vir aqui." Assim, todos fomos ao estúdio e sentamos lá ouvindo Flex entrar no ar. E esses caras se revezavam falando sobre como eles estavam indo fazer isto e aquilo." Ele gravou "Charged Up" naquela mesma noite e liberou no dia seguinte na mesma plataforma da Radio OVO, onde aconteceu a estreia de "Hotline Bling". "Dadas as circunstâncias, parecia conveniente lembrar as pessoas, o que é que eu faço "Drake diz, com um sorriso orgulhoso se alongando em seu rosto, "caso estivessem duvidando de algo. " Quando uma resposta à "Charged Up" não veio, Drake mal podia acreditar. "Esta é uma discussão sobre música, e ninguém está fazendo música?", diz ele, falando com incredulidade. "Vocês estão deixando isso para eu fazer? É assim que vocês querem jogar? Vocês não pensaram nisso direito? Vocês têm pessoas profissionais cuidando de vocês. Ninguém lhe disse que era uma má ideia, se propor a isso e depois não ter algo para responder? Você quer vir falar de compor e lançar música, comigo? E não tem nada para pôr na mesa?" À medida que os dias passavam e uma resposta de Meek Mill continuou não aparecendo, Drake ficou quase ofendido com a falta de convicção que a outra equipe demonstrava. "Estava me incomodando muito isso", diz ele. "Eu não entendi. Eu não entendo como não havia uma estratégia nesse 'ataque'. Eu só não entendi. Eu simplesmente não entendia, porque não é assim que as coisas funcionam." 

Foi então que ele decidiu ir em frente e fazer outra música. "Eu pensei tipo, 'eu vou só acabar com isto." E eu sei como eu tenho que encerrar essa conversa. Essa tem de se tornar, literalmente, a música que as pessoas querem ouvir todas as noites, e isso vai ser ainda mais difícil de acontecer durante este verão, quando todos querem ouvir música que não é necessariamente sobre você." Essa música era "Back to Back", e exatamente como Drake planejou, ela se tornou um sucesso instantâneo nas rádios. 

No final das contas, Drake não se sentiu obrigado a provar suas habilidades de forma dramática, indo a um programa de rádio por exemplo e fazendo um freestyle, ou postando fotos de suas letras manuscritas no Instagram. Em vez disso ele só agiu como se as gravações que vazaram não importassem. 

E alguns dias depois, com uma apresentação no OVO Fest — festival repleto de estrelas que ele faz todos os anos em Toronto, o qual inclusive, fez a abertura esse ano elaborando uma imitação hilária de seu "desafiador" — a coisa toda terminou ali, e definitivamente com a opinião pública esmagadoramente do lado de Drake. 

O fato de que a maioria dos fãs de Drake pareciam não se importar com as acusações de como eram feitas suas músicas, provou algo importante: que Drake já não era apenas um rapper popular, mas também uma estrela pop, do tipo que pode se enquadrar em uma categoria com Beyoncé, Kanye West, Rihanna. 

Os vários limites ultrapassados por ele desde o começo de sua carreira, o fizeram transcender seus gêneros e alcançar posições de influência histórica na cultura. A essa altura, é sabido que a grande maioria das músicas de sucesso são feitas em grupos e separadamente trabalhadas, antes de serem trazidas à vida por um talento singular. Essa é a fase que Drake vive agora. Ele pode vivê-la. "Eu preciso, às vezes, de indivíduos para acender uma ideia para que eu possa trabalhar nisso", diz ele. "Eu não me importo com isso. E essas músicas são o que são. Você mesmo pode julgar o que elas significam para você". "Não há necessariamente um contexto nelas", acrescenta ele, quando eu lhe peço para me dar um exemplo. "E eu nem sei se eu estou realmente aqui para esclarecer isso para você." 

Em vez disso, ele me diz que está pronto e disposto a ser o ponto de partida para um debate sobre a originalidade no hip-hop. "Se eu tiver que ser o exemplo para esta discussão ser gerada..., Mas você sabe, Deus nos livre de começar a falar sobre compor e sobre referências e quem pega o que de onde. Estou bem em ser quem eu sou", diz ele. 

Em seguida, ele faz uma colocação importante, que resume como a experiência de ser um alvo público o forneceu uma força maior do que ele costumava ter: "É que tipo, música às vezes pode ser um processo colaborativo, entende? Quem surgiu com isso, quem começou aquilo... eu sei o que levou para eu desenvolver cada coisa que eu fiz até agora. E eu não tenho vergonha." 


A reviravolta vitoriosa de Drake na disputa com Meek Mill é algo para se admirar — performances de "Back to Back" em shows com milhares de pessoas gritando a letra; a ascensão de "Hotline Bling" à Billboard Top 10; a mixtape com Future que fez fãs de rap enlouquecerem quando saíram rumores de se tornar realidade. É uma jornada que atesta o terceiro e mais importante elemento do sucesso de Drake: ele faz com que seja muito, muito divertido de ser um fã de Drake. É divertido vê-lo melhorar e subir no rap. É divertido acompanhar a sua prosperidade e como ele sobe degraus que antes eram impossíveis de imaginar-lhe subir. Agora, quando ele libera uma canção em que estreia um novo flow, ou aparece no palco em um evento da Apple Music, ou como anfitrião do Saturday Night Live, ou estreia algo emocionante na OVO Sound Radio, há pessoas em todos os lugares se sentindo felizes por ele, quase como se estar em sua equipe signifique que eles próprios conseguiram algo. (Está boa vontade se estende aos colaboradores de Drake também: em um e-mail, Future disse que, "Drake é meu irmão. Nós temos uma relação pessoal legal, mas temos uma relação ainda melhor musicalmente." E Metro Boomin, em uma entrevista por telefone, recordou as danças noturnas que ele, Drake, e todos os outros envolvidos no "What a Time to Be Alive" tiveram no estúdio. 

Após as gravações, Metro diz que Drake enviou um sofá personalizado para a sua casa para o seu aniversário de 22 anos.) O relacionamento de Drake com seus fãs, é a marca que ele quer deixar no mundo, é algo que ele aborda constantemente em suas canções. "Eu estou em uma missão tentando mudar a cultura" como ele declara em "Tuscan Leather." Em "From Time," ele também expõe: "Eu quero que seja mais do que o dinheiro, buceta e férias / Influenciar uma geração que não tem paciência." Quando pergunto a Drake o que significaria para realmente poder fazer essas coisas, eu meio que esperava que ele dissesse algo sobre levar os jovens a perceber que a internet está arruinando a capacidade de levar uma vida autêntica e real. 

É uma postura "avesso a tecnologia" que ele demonstrou antes, assim como ele tem feito repetidamente com uma compreensão completamente diferente da cultura digital e de como utilizá-lo. Mas em vez disso, em resposta à minha pergunta, Drake, mais uma vez traz seus pais. São neles que ele pensa quando imagina seu legado. A maneira como sua mãe fala sobre as músicas que ela ouvia quando era jovem, viajando para a Itália, ou como seu pai descreve a primeira vez que viu The Rolling Stones. "Eu só quero ser ícone para a minha geração", diz Drake. "Toda a minha geração, quer dizer, eu estou com 28 anos, mas eu sinto que talvez essas crianças agora com seus 16, ainda podem crescer ouvindo Drake." Sua escolha de palavras aqui é reveladora: Drake quer que as pessoas se sintam como se tivessem crescido com ele, quer que elas o conheça e o vejam como alguém que é parte de suas vidas. "Eu vejo outros artistas do passado e temo. Temo a preparação que deve ter levado para tipo, ser esse indivíduo, uma produção grandiosa para isso.", diz ele. "E eu tenho a sorte de obter isso apenas sendo eu mesmo." Essa, mais do que qualquer coisa, Drake me diz ser a marca que espera deixar: "Eu só quero ser lembrado como alguém que era ele mesmo", ele me diz. "Não um produto". Não é uma proposta sem risco. Porque a verdade é, as pessoas não gostam quando seus amigos mudam, e uma vez que Drake tem a intenção de evoluir, é inevitável que alguns fãs vão começar a se identificar menos com ele e mais com os aliados desprezados e ex-namoradas que ele descreve em suas canções de escárnio — as pessoas de sua vida que tem mágoas dele por ter se afastado deles por ter ficado grande demais para essas coisas. 

O tom duro que Drake assumiu em "If You’re Reading This", sem dúvida custou-lhe a lealdade de alguns que foram atraídos ao estilo mais suave que o tornou famoso — e seu crescente domínio como uma estrela com certeza contribuiu para o tipo de fúria que ele enfrentou no Twitter durante o US Open, da mesma forma que alguns críticos declararam com satisfação que "What a Time to Be Alive" teria sido melhor como um projeto solo de Future. Drake reconheceu que a mudança dele é real. Em "You & o 6," a peça central emocional de "If You’re Reading This", ele fala com sua mãe ao telefone, tentando explicar a ela como sua vida é diferente agora, e como as pessoas ao seu redor estão tentando destruí-lo por causa de seu status. "Eu não posso ficar aqui fora vulnerável, mama", ele diz a ela. Enquanto nossa entrevista chega ao fim, pergunto a Drake se ele realmente se sente assim e o que ele imagina que ele vai se tornar, a partir da era "Views From the 6", se ele se endureceu tanto que pode perder a acessibilidade que sempre o diferenciou. "Não é sobre endurecer. Eu nem mesmo sei se isso é tipo algo legal, ser resistente e essa merdas", diz ele. "Não ser vulnerável nunca vai ser minha parada. 

Eu sempre vou compartilhar com vocês o que está acontecendo na minha vida." O que mudou, ele explica, é que ele não tem deixado quaisquer dúvidas sobre o quão bom ele é, ou se ele merece o lugar que ele tem lutado para garantir desde que caiu nas graças da fama, há seis anos atrás, como um desajustado sedutor e expressivo artista. "Vulnerabilidade, para mim, às vezes parece uma forma de ser ingênuo em relação à onde estou na hierarquia de tudo isso", diz ele. "Então eu acho importante esclarecer onde estou agora. E eu acho que ter que lidar com o fato de que não tenho muitos amigos que são como eu. " E com isso, Drake termina sua fala e finalmente escapa para o estúdio, onde ele diz que continuará trabalhando com Noah sem parar.

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